Na UFSM, existem belíssimas timbaúvas, enormes árvores nativas, com curiosos frutos escuros, lenhosos e arredondados, que lembram orelhas de macaco. Durante algumas aulas de botânica a campo, eu costumava incentivar meus alunos a abraçar qualquer uma delas, minha receita infalível para o equilíbrio dos chakras. Os meninos acatavam, relutantes, mas não ousavam desafiar a professora, que, àquela altura, parecia meio maluquinha. A brincadeira virou folclore, e, lá pelo fim do semestre, mesmo que só por farra, eles saíam confraternizando com a flora do Campus, sem precisar do meu estímulo!
Sou vizinha de uma imensa timbaúva, há 20 anos; acho que ela está morrendo, e, ironicamente, não posso abraçá-la. Nossa história começou quando mudei para Camobi, à época, nosso bairro mais afastado, e meu encantamento por essa árvore de arquitetura harmoniosa foi imediato. Perfeitamente simétricos, os conjuntos de galhos grossos e bem distribuídos se desdobravam em outros, cada vez menores, várias vezes, até chegar às folhas, de um verde escuro e opaco. Quando a conheci, crescendo quase à beira da estrada, ela tinha companheiras, plantas diferentes, que foram abatidas à medida que o bairro se expandia.
Começavam, então, algumas manobras de ampliação e revitalização da antiga Faixa Velha, via de acesso à universidade; pelo bairro, expandia-se o comércio, nasciam os condomínios, chegavam mais famílias. Apesar da movimentação a seu redor, minha preciosa timbaúva foi preservada. Aos poucos, e com o tempo, cada naco de terra das proximidades foi minuciosamente loteado, novamente dividido, até que restasse a ela apenas um canto de terreno, delimitado por uma cerca com moirões, justamente, o que me impede, agora, de abraçá-la!
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Ali, ela viu emergir e afundar uma sucessão de pequenos negócios que se acomodavam a sua sombra, e, em cada ocasião, não escapou das podas estratégicas, feitas para ganho de espaço ou pela limpeza do lugar (segundo critérios dos proprietários). Tantas investidas redesenharam seu corpo, e agora, muitos anos depois, ela pende para um lado, encarquilhada, tentando ainda avançar sobre a estrada ou o ponto de ônibus, seus vizinhos de frente. O vendaval que nos castigou, no ano passado, também não poupou seus enormes e velhos galhos, mas nada me doeu mais do que ver, presa a seu corpo, uma rústica placa pintada à mão, que alertava pedestres sobre o perigo que ela representava. Meu pobre gigante alquebrado tive vergonha por ela! Sinto que está condenada; parcas folhas, cicatrizes grosseiras e malcuradas; meu coração em desassossego.
Comecei a temer pelo meu dinossauro verde, que destoa em cor e estilo do concreto que agora o rodeia. Nosso bairro, antes deliciosamente rural, mudou demais, e não há o que fazer para trazer de volta o silêncio, as lebres e o campo; nem minha jovem timbaúva. Mas só eu lamento; ela, não. Sábia, como são todas as árvores, reconhece e aceita seu tempo, entende e justifica seus algozes. Soberana, por décadas, já é da minha história, eternizada na memória dos meus filhos, netos e de quem mais quiser ouvir.
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